Contextualização do período.
No decorrer do século XVI, o homem europeu entrava em contato com o humanismo. Este movimento se traduziu fundamentalmente num antropocentrismo de índole peculiar. Supera-se o teocentrismo medieval, buscando a Deus no homem. O ponto de partida deste humanismo teológico é a tese da dignidade humana, que começa a considerar o homem como imagem e semelhança de Deus.
Em suma pode-se dizer que esse humanismo e antropocentrismo próprios da cultura do Renascimento, que predomina nesta época, nos permitem entender e situar, em seu contexto, algumas das constantes mais importantes da teologia e da ação pastoral nas Índias a partir do século XVI.
Os acontecimentos que têm lugar nas últimas décadas do século XV e primeiras do século XVI na ordem geográfica, política, econômica, cientifica, social, eclesial, teológica e cultural, constituem um conjunto de fatos de importância poucas vezes igualadas na história. Daí que tanto no ambiente geral, como entre os homens de letras, foi muito clara a consciência de estar vivendo um tempo novo ou, para dizê-lo com a expressão de Bartolomé de las Casas, “um tempo tão novo e parecido a nenhum outro”.
Época de descobrimentos, conquistas, reformas e utopias tão inesperadas como decisivas que acabam colocando a moda do novo: “a palavra novo esteve também em moda então durante algumas épocas, especialmente nas primeiras décadas do século XVI”. Num período onde aparece o ânimo de reforma e de busca da verdade, estende-se por toda à parte o ideal do homem novo, de Igreja nova e de sociedade nova. Por isso, sobrepassando o que seria apenas uma denominação geográfica, designa-se para as Índias o nome global de Novo Mundo.
Com efeito, por esses anos esteve nascendo o devotamento com interesse, cobrança alta do banco, comércio, os seguros, os câmbios da moeda. Tudo isso posicionava questões novas que são assumidas pelos teólogos e moralistas: inflação e valor do dinheiro, legitimidade e limites das ganâncias, monopólios, impostos, etc. em uma situação de profunda mudança e crises econômicas, esses moralistas se mantiveram dentro de uma perspectiva nitidamente teológica. Já a turma da moral econômica, parte dos fatos e analisam a justiça verdadeira e as injustiças disfarçadas que tratam de evitar a luz e de escapar às censuras eclesiásticas, ajudando confessores e mercadores na busca de uma moral financeira.
Em meio a todos os descobrimentos que se obteve no século XV E XVI (literatura, ciência, filosofia, arquitetura e escultura...), talvez o mais decisivo tenha sido a prática econômica, que realmente, impulsionou o período das grandes navegações. Durante o reinado de Carlos V, foram vários os pactos que possibilitaram aos banqueiros, europeus, uma participação na exploração das terras espanholas na América. Como já vimos, o cenário estava dominado pelas práticas mercantis e os reis encontravam-se, na grande maioria das vezes, sem recursos para explorar sua colônia. Devido a esta situação financeira, Carlos V permitiu a participação de estrangeiros na exploração de sua colônia na América.
Muitos banqueiros mantinham relações com o imperador. Entre os mais importantes estão: os Fugger, os Welser, Lomelilino, Grimaldi, Fornari, Schetz, entre outros. Esses foram em grande parte, responsáveis pelo financiamento de expedições que vieram ao Novo Mundo, com a finalidade de explorar a região em busca de metais preciosos. Em 1525, Carlos V, concedeu direito aos Welser de manter o comercio com as Índias e com as mesmas condições que possuíam os castelhanos. Outras vantagens foram cedidas aos alemães da época, entre elas: o governo da Venezuela.
Nesta época quase todas as companhias de mercadores possuíam representantes nos portos, inclusive na América. Dessa forma, com a concorrência nos mercados aonde chegavam os produtos monopolizados ou controlados pelos reinos, estabelecia-se uma rede comercial que se convertia em metais preciosos ou em “asintos”. Assim como ocorria em outros reinos da Europa, a concepção que orientava a ação da Espanha na América, era a do mercantilismo. Por isso, o principal objetivo era estabelecer uma balança comercial favorável ao país europeu. Podemos dizer que o ideal mercantilista associado ao “velho espírito das cruzadas medievais”, em prol de uma expansão da fé cristã, tenha sido fator decisivo nos acontecimentos que regeram esse período.
Análise do documento
O documento em questão apresenta o relato de um soldado alemão que permaneceu por quase vinte anos nas terras do Novo Mundo. Esse texto apresenta alguns aspectos importantes à época. Portanto, o leitor pode construir uma idéia aproximada das condições em que a região do Rio da Prata foi habitada, assim como, as relações entre os comandantes espanhóis e os seus comandados.
O trabalho desse soldado alemão traz ainda um informe sobre as condições indígenas em diferentes regiões do continente sul-americano, apresentando a adaptação desses povos aos diversos climas e territórios, bem como seus hábitos e costumes. Em relação a tais indígenas, podemos dizer que conhecemos muito de sua cultura graças a textos como esse.
A obra desse alemão é uma referência as suas memórias e foi escrita de acordo com as suas concepções. Portanto, o modo com que o autor registrou as suas lembranças, do território indígena, está diretamente relacionada à maneira com que freqüentemente, o invasor via essas populações, ou seja, uma gente bárbara que deveria ser morta ou escravizada. Além disso, o autor deixou registrado, também, as diferenças que existiam entre os seus superiores, tomando muitas vezes, partido de um dos lados.
Contudo, pode-se dizer então, que tal obra nos apresenta informações valiosas e que estas, nos servem como base em nossos estudos, nos servindo como uma importantíssima fonte de estudo sob o modelo e a forma de opressão, imposta aos indígenas pelo modelo administrativo espanhol do século XVI nessa parte do continente.
Ulrico (Utz) Schmidl.
Ulrico Schmidl, soldado alemão nascido no ano de 1509, em Straunbing (Baviera), fez parte da expedição espanhola comandada por Pedro de Mendonza ao Rio da Prata. Serviu a armada espanhola como um mercenário (landsknecht). Participou na exploração dos rios Paraná, Paraguai e chaco chegando até o Peru. Das muitas missões que esteve presente, teve a oportunidade de assistir, inclusive, à fundação de Buenos Aires e Assunção.
A esquadra que partiu do porto de Sanlúcar de Barrameda (Espanha), em 24 de agosto de 1534 com fins de colonização e exploração do Rio da Prata e da qual Schmidl fez parte, compunha-se de 16 naves e 2500 homens. Foi a maior expedição espanhola com fins de colonização.
Schmidl passou quase vinte anos na América, regressou ao seu país após permissão concedida a ele pelo seu comandante Martinez de Irala. Porém, possuía a ordem de entregar ao Rei de Espanha um relatório sobre os principais acontecimentos da administração espanhola no novo continente.
Assim que chegou a Europa, cumpriu com a sua obrigação e dirigiu-se à Sevilha, logo após para Amberes onde registrou a sua aventura na América. A obra de Schmidl, “Derrotero y Viaje a España y lãs Índias, 1534-1554”, ao que se sabe, é do ano de 1567, estando o manuscrito original em Sttugart (Alemanha).
Alguns estudiosos como Juan Maria Gutierrez e Bartolomé Mitre, o consideram como sendo o primeiro historiador do Rio da Prata. Isto porque, sua obra contém inúmeras referências sobre a vida dos colonizadores, assim como um relato precioso sobre a vida e os costumes dos indígenas. Permite, portanto, uma analise sobre tal sociedade nos primeiros anos da fundação de Buenos Aires e Assunção, bem como os diversos aspectos relacionados à geografia da região onde as tropas, espanholas, marcharam.
A crônica como fonte historiográfica
Crônica é um gênero literário que, a princípio, era um "relato cronológico dos fatos sucedidos em qualquer lugar", isto é, uma narração de episódios históricos. Essa relação de tempo e memória está relacionada com a sua origem grega. Da palavra, Chronos, que significa tempo. Portanto, a crônica, desde sua origem, é um "relato em permanente relação com o tempo, de onde tira, como memória escrita, sua matéria principal, o que fica do vivido".
Esta breve introdução serve para termos uma idéia ao que estamos nos referindo. Isto porque, a grande questão a ser abordada, aqui, refere-se ao uso da crônica como fonte historiográfica. Seu uso seria ou não uma boa alternativa em tais estudos? Em outras palavras, eu diria que a crônica não só é um excelente material como, também, caracteriza-se por ser um ótimo meio, alternativo, de entrarmos em contato com uma outra realidade até então desconhecida.
Contudo, devemos deixar claro que tais relatos representam o modo com que o autor via e/ou vê as diferentes questões de seu tempo. Para que possamos realizar tal análise, devemos, antes de tudo, estarmos atentos às influências da época refletidas na obra. Isto tudo, para não cometermos o erro de não avaliarmos tais circunstâncias. O que, conseqüentemente, prejudicaria, em muito, a análise de tal documento.
A obra do soldado alemão, Ulrico Schmidl, é um bom exemplo do que foi dito até então. Em seu trabalho, Schmidl, coloca as dificuldades em que passou durante o período em que fez parte da expedição ao rio da prata. Seus tormentos e as suas glorias estão registradas de uma forma em que o leitor, em algum momento, passa a compactuar com a brutalidade e a violência dos soldados espanhóis. O que levou esses homens à tamanha aventura? É possível que nunca saibamos, de fato, as verdadeiras forças motivadoras de tais acontecimentos. Mas o que foi registrado nos serve como fonte para que possamos conhecer alguns aspectos relacionados à época em que os ibéricos invadiram o continente americano.
Em sua crônica, Schmidl, deixa claro sua visão de soldado. Inclusive, opinando sobre o seu comandante: Cabeza de Vaca. Segundo o Schmidl, seu comandante “não valia grande coisa”, isto porque, era indiferente com seus soldados. Porém, existem obras que trazem o Cabeza de Vaca como herói, exaltando a sua pessoa. Duas posições que representam muita bem a interpretação que se deve ter em analisar tais documentos. A crônica deve ser, antes de tudo, um objeto a ser utilizado, mas com as merecidas ressalvas. ,
Neste sentido, a crônica utilizada como fonte historiográfica é sem dúvida alguma, um meio importantíssimo na busca de novos conhecimentos, porém, com as devidas ressalvas, as crônicas devem ser mais bem exploradas. Pois, estas representam novas possibilidades de conhecimento, além de se caracterizarem como uma fonte secundária de estudo.
Referência Bibliográfica
FEDERMAN, N. e SCHMIDL, U. Alemanes en América. Madri: Alianza Ed., 1992 (crónicas de América).
Ramos, Edu. Texto de
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