A) Desinteresse x interesse comercial e de exploração;
Alianças x conflitos com grupos tribais;
Colonização acidental x colonização projetada;
Civilização x barbárie.
Após a oficialização do achamento do território brasileiro, pelos portugueses, foram absolutamente poucas as viagens realizadas por estes até o Novo Mundo. Um certo desinteresse que levantou sérios questionamentos, por parte de outras nações, a respeito da divisão do mundo entre Portugal e Espanha.
Portugal havia oficializado a descoberta, mas não fazia o devido uso dela, oportunizando que exploradores de outras nacionalidades assim o fizesse. Os franceses foram os primeiros a questionar essa divisão do globo e a estabelecer um comércio de trocas com os povos que aqui viviam, colocando em sérios riscos a soberania lusitana nessas terras.
Mesmo não apresentando grandes recursos para satisfazer a notória cobiça dos portugueses, tornou-se necessário ocupar a colônia, tanto por motivos políticos, para garantir a possessão, como para seguir a estratégia de fixar povoações que auxiliassem os navios da carreira lucrativa. Torna-se necessário salientar que o Brasil era para os portugueses uma rota alternativa para o oriente; mas com a queda das relações comerciais entre esses últimos devido aos altos custos das expedições o Brasil tornasse uma boa aposta para os investimentos econômicos (exploração de metais preciosos e agrícolas). Com base nesses acontecimentos Portugal passa, então, a adotar algumas ações mais efetivas ao território do Brasil, tais como: a expulsão dos corsários do litoral brasileiro e a tentativa de pôr em prática, já em 1516, as primeiras experiências de ocupação do território dando início ao sistema conjunto de capitanias de terras e capitanias de mar, à maneira do que comumente, vigorava no oriente.
Para que esse plano se realizasse era necessário que Portugal enfrentasse, não apenas os comerciantes franceses, mas também as fortes alianças entre estes e os indígenas. Tais alianças se contrapunham às aspirações lusitanas de domínio e levariam a um enfrentamento direto, no Brasil, entre as duas potências européias. Uma vez que os franceses ocuparam ilegitimamente um espaço territorial pertencente à Coroa Portuguesa. Entre as disputas está o indígena, cuja convivência com os europeus, definitivamente, não se caracterizava pela tolerância.
Os grupos tribais acabam, por sua vez, entrando na luta transnacional, como apêndices dos interesses imperiais. Embora jamais se lhes tenha reconhecido uma verdadeira autonomia, isto geralmente não significou um extermínio direto, e sim a integração na luta entre Coroas européias. De um lado os tupinambás apoiando os franceses e de outro lado os tupiniquins apoiando os portugueses. Prestar serviços aos cristãos se transformava em “amizade”, porque para os índios a nova cultura era assustadora e a aliança com o invasor, identificado com deuses, dava-lhes a sensação de invencibilidade perante outras tribos. Uma espécie de relação que prolongou por algum tempo a sobrevivência dessas tribos.
Em troca do apoio ao homem branco, não pediam nada, apenas a honra de servir a uma divindade; pois suas armas de fogo eram desconhecidas ao povo indígena que às associavam a instrumentos mágicos. Instrumento que assustava muito mais do que feria.
Se a rivalidade entre Portugal e França expressou a luta pelo pau-brasil; os conflitos entre espanhóis e portugueses (na demarcação de limites geográficos) indicavam a presença de imagens auríferas e argentíferas no território. Portugal tentava estender para o sul seus domínios na América e a Espanha obviamente resistia. Mas em definitivo foram as riquezas, ou melhor, sua imagem mitificadora e a esperança de obtê-las, as responsáveis pelos inúmeros exploradores que acidentalmente acabam dando início à colonização deste território.
A colonização acidental antecede ou, em grande parte, avança paralelamente à planificada. Não significando, portanto, algo circunstancial ou passageiro. Ainda que com o tempo ambas convirjam em uma mesma e ampla empresa colonizadora. Esta forma de colonização (acidental) deve-se em muito aos náufragos e desertores. O naufrágio se delineava como um motivo gerador de novas formas de vida, de relações mutantes, mudanças inesperadas e repercussões imprevistas. Pois quem estava a serviço de um rei, converte-se facilmente, devido às circunstâncias, em amante de índias, pai de família, guerreiro tribal e/ou comerciante.
A série de conversões americanas aponta para a institucionalização de uma “nova vida”, nada poético nem muito menos bucólica. O conceito de cristão perde precisão entre o processo de transculturação dos europeus, que para sobreviver adotam modelos de vida indígena. O projeto épico da conquista é esquecido e substituído por uma realidade que, em seus elementos centrais, se ajusta ao projeto do imigrante. Derrotados por um meio ambiente que transtorna esperanças e desbarata ideais, estas pessoas, são submetidas a um cotidiano pouco glorioso, em pequeno número, sem impérios para conquistar, sem cidades para subjugar, sem riquezas para saquear, estes expedicionários deixam a antiga relação de vassalagem com seu rei, para se integrarem num novo espaço, que se lhes apresenta novos conflitos e desafios, embora também novas possibilidades.
A colonização acidental não implica, conseqüentemente, um projeto organizado de modo racional e levado à prática por etapas programadas. É sim a resposta criada a uma situação de necessidade (dos expedicionários que aqui ficavam) que pouco a pouco desemboca na construção de uma imprevista organização social.
Diferentemente da colonização acidental, a planificada se caracteriza pelo caráter letrado da ordenação. A expedição de Martin Afonso de Souza em 1530 e a instalação das capitanias hereditárias representam seu começo ritual; o Regimento de Tomé de Souza, promulgado pelo rei Manuel III em 17 de dezembro de 1548, como representante do rei para as possessões lusitanas na América, anuncia seu triunfo definitivo. Com o Regimento dá-se início, concreto, à instituição do governo geral e se reafirma o ideário colonizador.
A função (do Brasil) de escala para os tesouros asiáticos ou de porto fornecedor de madeira tintória é substituído pelo projeto de inscrição oficial da lei e pela exportação das instituições metropolitanas para o Novo Mundo. Segundo o documento real os benefícios com a colonização seriam estes: o “bem estar” dos indígenas, devido à ampliação da fé cristã, o proveito da Coroa Portuguesa e a conservação das capitanias. A partir de 1531, navios portugueses começam a abastecer os colonos recém instalados (armas, munições e mantimentos), em 1534 João de Barros, Aires da Cunha e Fernando Álvares de Andrade organizaram uma expedição composta de dez embarcações levando novecentos homens, com o objetivo de iniciar, definitivamente, a colonização, principalmente, nas capitanias do Rio Grande, Pará e Piauí.
Pode-se dizer também que, quando surgiu a necessidade política e econômica de conquistar e colonizar estas terras, os mapas produzidos com detalhes do Novo Mundo passaram a salientar o exotismo da fauna e flora, chamando a atenção para as riquezas minerais como o ouro; a fim de que a cobiça atraísse a atenção de possíveis aventureiros. Tarefa complicada, pois era extremamente difícil conquistar voluntários para ocupar uma terra vista pelos europeus como um inferno. Na época era normal para os cronistas associarem os costumes indígenas à barbárie. O ato de comer o prisioneiro constituía o capitulo derradeiro de um ciclo endêmico de represálias que incluía a perseguição ao inimigo, a inserção deste no recinto familiar e comunal, sua adaptação ao cotidiano da aldeia, a preparação para a festa, a teatralização da relação de domínio, uma jornada maratônica de danças e cantos, o posicionamento da vitima no centro da aldeia (pauladas na cabeça até matar), o desmembramento do corpo e a repartição entre os comensais. Capitulo final que, por sua vez, anunciava a vingança por parte da tribo ofendida.
A agressividade e/ou barbárie, percebida pelos expedicionários na instituição do canibalismo desvia em muito a atenção das formas, também socialmente compartilhadas, de violência européia. O pavor dos cronistas ante as execuções públicas americanas, portanto, provem de sua forma e sentido. Isto explica que fossem justamente os sacrifícios os eventos mais repudiados pelos cronistas, em especial os religiosos, já que aos seus olhos pareciam rituais satânicos e não tinham nada de semelhante com as execuções européias, onde o motivo religioso se aliava ao controle político do desvio social.
Para os europeus a América poderia ser tanto o inferno como o paraíso, dependeria apenas de levar-se ou não a fé cristã aos chamados gentios, missão destinada aos portugueses. O estranhamento causado pelas plantas e animais encontrados e acima de tudo, os hábitos dos povos nativos fez com que os europeus decidissem que era urgente e necessário “salvar” aquela gente, moldando o território e os habitantes à imagem e semelhança da Europa.
B) A dinâmica imperial portuguesa. Síntese da abordagem principal dos autores: Bicalho, Fragoso e Alencastro.
De acordo com as leituras indicadas, é possível perceber logo de início a preocupação dos autores em fazer das discussões à cerca das relações entre o poder central e o poder e/ou poderes periféricos, algo mais presente em nossos estudos, uma vez que as relações entre esses poderes apresentavam na prática, características desiguais. Com isso, diferentes autores nos apresentam diferentes hipóteses à cerca da centralização do poder monárquico, trazendo sempre em destaque a discussão sobre a existência ou não de uma influência do poder real nos mais diversos assuntos relacionados a Coroa.
As questões referentes ao poder central levam muitos pesquisadores a identificar uma certa fraqueza no poder monárquico. Más torna-se necessário que ao avaliarmos esta questão, tenhamos a devida coerência ao julgar o assunto, pois há inúmeras formas de questionarmos esta centralização do poder sob diversos ângulos e/ou aspectos. Assim como do ponto de vista do colonizador, a imagem de um império centralizado era a única que fazia suficientemente jus ao gênio colonizador da metrópole; em contrapartida, admitir um papel constitutivo das forças periféricas poderia reduzir o brilho desta empresa imperial. Para fragoso (um dos nossos autores) existiu outro poder capaz de arrancar privilégios do poder central, contudo, procurando explorar seus aspectos doutrinais e institucionais, para ganhar um espaço de efetiva, ainda que discreta, autonomia. Passando, com isso, a caracterizar a monarquia portuguesa, como sendo uma monarquia corporativa, em que: o poder real partilhava o espaço político com poderes de maior ou menor hierarquia; que o direito legislativo da Coroa era limitado e enquadrado pela doutrina jurídica e pelos usos e práticas jurídicos locais; bem como, os deveres políticos cediam perante os deveres morais ou afetivos, decorrentes de laços de amizades.
Para este autor a imagem de centralização do poder monárquico é ainda mais desajustada quando aplicada ao império ultramarino. Isto se deve a inexistência de um modelo ou estratégia geral para a expansão portuguesa. Existem vários tópicos usados incidentalmente no discurso colonial para justificar a expansão. Um deles era a idéia de cruzada e de expansão da fé. Mas, a par dele, vinha o do engrandecimento do rei ou das finalidades do comércio metropolitano ou, mais tarde, de população. No entanto, esse conglomerado não era harmônico, sendo que cada tópico levava freqüentemente a políticas diferentes ou mesmo oposta, mudando, muitas vezes, com o tempo ou com o lugar.
Embora os estabelecimentos coloniais portugueses tenham estado sempre ligados à metrópole por um laço de qualquer tipo, faltou, no entanto, até o período liberal uma constituição colonial unificada; uma vez que, se encontrava em vigor diferentes formas de instituições políticas, tanto na América como no Oriente. Um exemplo claro desta disparidade de forças está na total autonomia do governador geral. Este gozava de um poder extraordinário, semelhante ao dos supremos chefes militares; tal como o próprio rei podia derrogar o direito em vista de uma ainda mais perfeita realização de sua missão. Pode-se estender esse exemplo aos capitães donatários, que faziam o uso da justiça aos moldes dos seus interesses. Segundo o autor, é impossível ver esta forma de organização, como um modelo tradicional de Império centrado, dirigido e drenado unilateralmente pela metrópole.
Para Maria Fernanda Bicalho, esta questão referente às instituições e ao poder político em Portugal está diretamente ligada à figura do rei. A autora acredita que este intervinha nos mínimos detalhes da vida cotidiana de seus súditos, ordenando-os, disciplinando-os, normatizando-os. Para Maria Bicalho, esta interferência real, valia para o reino e abrangeria igualmente a amplitude de seus domínios ultramarinos e coloniais. Esta idéia é contrária ao pensamento de Fragoso. Segundo a autora os argumentos que sustentam suas afirmações estão explícitos nas consultas do conselho ultramarino. Pois, para a autora, não é difícil ser convencido de que os membros deste conselho deliberavam sobre cada minúcia da vida econômica, administrativa, política e militar das sociedades coloniais, chegando mesmo a ordenar os mais insignificantes detalhes do cotidiano de seus habitantes. As ordens, provisões e alvarás régios resultantes dessas consultas são ricos testemunhos do poder de intromissão e regulamentação da Coroa nas menores esferas e nas mais insólitas condutas dos vassalos peninsulares e ultramarinos. Assim, a idéia de que ao rei cabia decidir tudo em ultima instância vinha corroborar o processo de centralização monárquica própria do absolutismo europeu.
Em relação ao processo de centralização do poder régio, as crises recorrentes que, assolaram a Europa, representaram mais um fator de intervenção da Coroa, levando as monarquias a implementarem amplos programas de reforma política e fomento econômico que as impeliram a intervir cada vez mais nas áreas provinciais e locais. A vontade ou a necessidade desta intervenção não era, no entanto, uma via de mão única, nem sempre correspondendo a uma iniciativa exclusiva do governo central, partindo muitas vezes das próprias autoridades locais. Isso decorria do crescente prestigio que a justiça real vinha adquirindo, e da visão de mundo dos contemporâneos a respeito da função arbitral do monarca, a quem se recorria para resolver conflitos domésticos, ou entre seus representantes e os próprios agentes do poder central. Por outro lado, a luta contra as antigas prerrogativas senhoriais impedia o rei de dispensar os aliados locais, levando a que o grande paradoxo do absolutismo se constituísse numa progressiva concentração de poderes no centro e ao mesmo tempo, numa profunda dependência deste centro em relação a forças sociais e políticas periféricas.
Contudo, o governo era exercido, tanto na península quanto por todo o império, por meio de conselhos, tribunais e juntas. Eram estes os órgãos ou instituições que teciam as políticas e tomavam as decisões. Por um lado essa dinâmica governamental constituía-se em um peso ou entrave à agilidade da administração ativa. Esse é o ponto mais destacado pela historiografia ao se referir à administração, seja do reino, seja das colônias. No entanto, esse mesmo sistema garantia a expressão de todos os pontos de vista, reafirmando o caráter corporativo do governo, como afirmou Fragoso, mas segundo a autora, a imagem do rei como arbitro mantenedor da harmonia dos demais membros ou instituições do corpo político, avalista de seu estatuto, juiz nos conflitos, é de maneira alguma, a imagem de um usurpador de suas atribuições no poder.
Diferentemente das opiniões apresentadas por Fragoso e Bicalho, Luiz Felipe de Alencastro procura recolocar, no campo das discussões, as questões referentes à centralização do poder e de uma maneira mais lógica, tenta explicar, também, os dificuldades encontradas por Portugal na administração de seu império ultramarino. É verdade que os lusitanos não encontraram facilidade alguma na expansão das rotas comerciais. Por não dispor de forças necessárias para conservar esse espaço transcontinental, Portugal é vencido pelas potências melhor instrumentadas para o comércio ultramarino, Lisboa perde mercado e territórios, sobretudo no oriente, onde o que se fez ausente, segundo o autor, não foi à falta de um poder centralizado ou de uma política mercantil eficiente, como citam os autores Bicalho e Fragoso, mas o que contribuiu de uma forma negativa foi possibilidade de enriquecimento que o contrabando e o comércio regional ofereciam aos oficiais d’el-rei.
O complexo econômico luso-oriental opõe-se doravante aos interesses de Lisboa e da rota do Cabo. Tal quadro ilustra um dos impasses apontados acima: o excedente colonial se realiza, se transforma em produção mercantil, mas foge às redes metropolitanas, tornando mesmo as mais eficientes forças políticas inoperantes diante de tal realidade. Mesmo que isso não ocorresse, a expansão mercantil não conduzia necessariamente ao reforço do poder monárquico. As transações oceânicas e o Ascenso dos comerciantes faziam emergir novas forças sociais nas metrópoles e nas conquistas, alterando o equilíbrio das monarquias européias. Pois, como se sabe, os investimentos privados efetuados nos primeiros tempos das descobertas não eram exclusivamente portugueses. Excetuando-se certos monopólios, os estrangeiros católicos, residentes ou não em Portugal, obtinham privilégios análogos aos dos nacionais para transacionar com a colônia. Ademais se empregassem marinheiros portugueses, os estrangeiros podiam utilizar seus próprios navios. Tais comerciantes ficavam submetidos a certas taxas, mas se isentavam de outras que pesavam sobre os nacionais. Esta realidade enfrentada pelos portugueses não tem absolutamente nada de novo, o que se pode perceber é que mesmo existindo um poder forte e centralizado na figura de um monarca, não se poderia garantir o total êxito nas negociações mercantis, uma vez que, as condições de negociação se transformavam diante das circunstâncias impostas pela distância existente entre a colônia e a metrópole.
Ramos, Edu. Trabalho Universitário de
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