Durante os séculos XV e XVI quase todas as ilhas do atlântico exportavam açúcar para o mercado europeu. Açores, Canárias, Cabo Verde, São Tomé e Madeira. Essas ilhas passaram, todas, por períodos de intensa atividade na indústria açucareira em maior ou em menor grau ao longo daqueles séculos.
O conhecimento adquirido nessas ilhas, pelos ibéricos, fez com que este cultivo fosse implantado com sucesso nas colônias européias na América; contudo, entre o descobrimento do Brasil e o estabelecimento das capitanias hereditárias em 1533-4, os interesses da Coroa e dos particulares estiveram, em sua maioria, voltados para a comercialização do pau-brasil, de alto valor na Europa por suas propriedades corantes. Entretanto não se sabe ao certo, mas há indícios de que a Coroa Portuguesa havia implantado já em 1516 projetos que visavam o cultivo da cana-de-açúcar e, conseqüentemente, a construção de um engenho destinado a iniciar aquilo que viria a ser o grande produto “Made in Brazil”, no início da colonização da América portuguesa.
O declínio das exportações das ilhas do atlântico, motivado pelo desgaste do solo, mudanças climáticas e pela forte concorrência fez com que os habitantes desses lugares preferissem se dedicar à produção de vinho e de outras culturas dando espaço para que a atividade açucareira se implementasse fortemente na América, principalmente no Brasil que é o nosso objeto de estudo, alavancando, conseqüentemente, o processo de inserção da colônia na economia agrário-exportadora; estabelecido fortemente em território brasileiro, nas décadas de 1530-1540.
A expedição de Martin Afonso de Souza, enviada ao país em 1532 para livrar a costa dos navios franceses e também com fins colonizadores, trouxe muda de cana. Entre os colonos havia um perito em manufatura de açúcar, bem como vários portugueses, italianos e flamengos com experiência na atividade açucareira na ilha da Madeira. Ao longo desse processo pode-se perceber a transferência de conhecimentos, habilidades e recursos humanos das antigas para as novas regiões açucareiras como resultado de uma política deliberada.
Ao citar as capitanias hereditárias, que prosperaram, vamos encontrar exemplos que comprovam as citações acima referidas. Um exemplo disso foi o empenho de Duarte Coelho. Na tentativa de impulsionar sua lavoura, acabou por custear pessoalmente a vinda de artesões e especialistas de Portugal, da Galiza e Canárias. As combinações de capital, tecnologia e organização que emergiam no mediterrâneo e nas ilhas atlânticas como o complexo do engenho, transferiu-se para o Brasil quase sem modificações no início do século XVI. Os primeiros engenhos brasileiros foram pequenos. A maioria do tipo trapiche, movidos por cavalos ou bois. Alguns usavam força hidráulica, em geral os construídos pelos próprios donatários. Com a expansão dessa atividade surgiram, também, as primeiras formas de uma organização social em território brasileiro, ordenada da seguinte maneira: os senhores de engenho no topo da pirâmide, seguido por aqueles que também se dedicavam à agricultura de exportação.
Os homens que produziam alimentos para o consumo local vinham relacionados por últimos. Apesar da influência dos senhores de engenho, nada se podia fazer sem esses trabalhadores, que qualificados ou não, formavam o amplo alicerce sobre o qual se estruturava a sociedade colonial. Embora o início da economia agrária no Brasil esteja tragicamente marcado pelo contato entre portugueses e indígenas e pela posterior mudança na mão-de-obra, não significa que o papel dos indígenas tenha sido insignificante nas áreas de produção açucareira, pois estes marcaram as bases iniciais de toda a atividade, que mais tarde, com a vinda dos negros, daria de certa forma, o incremento àquilo que viria a ser a formação cultural do nosso povo.
É de suprema importância analisarmos as formas de escravidão vigente no país à época do “ciclo do açúcar”. Pois de certa forma, costumamos esquecer o que fez, exatamente, com que os portugueses preferissem os negros africanos aos negros da terra. Era extremamente difícil subjugar as populações indígenas e quando conseguiam estes, por sua vez, negavam-se a responder previsivelmente às condições objetivas do mercado. Para torná-los úteis à economia colonial, quer como fornecedores de alimentos, quer como trabalhadores dos engenhos, os lusos recorriam à coerção direta sob forma de escravização, aculturação e destribalização, bem como a tentativa de integrá-los como trabalhadores assalariados.
A transição da predominância indígena para a africana na composição da força de trabalho escrava ocorreu aos poucos, ao longo de aproximadamente meio século. Quando os senhores de engenho, individualmente, acumulavam recursos financeiros suficientes para comprar cativos africanos, iam acrescentando, aos poucos, outros à medida que o capital e credito tornavam-se disponíveis. Essa mudança dependeu parcialmente da percepção dos lusos quanto às habilidades relativas de africanos e indígenas. A saúde e a perícia dos africanos, bem como a sua pouca oposição ao cativeiro, podem explicar a relutância dos senhores de engenho em investir nos indígenas.
Ao estudo em questão, merece ser citado algum dos autores que, através de seus trabalhos, nos ajudam a compreender as formas que se deu a escravidão em território brasileiro. Pois se torna imprescindível, que ao avaliarmos tal objeto de estudo, tenhamos este conhecimento prévio e que possamos através das diversas análises, por eles apresentadas, formular nossas próprias interpretações e/ou conclusões. Para autores como Freyre, os fenômenos apresentados pela miscigenação, da adaptação cultural e do que este percebia como relações sociais “mais suaves” foram temas a orientar trabalhos como: “Casa Grande e Senzala” e “O mundo que o português criou”, onde revela a adaptação dos portugueses à fusão cultural que aconteceu no Brasil. Freyre, porém, tornou-se alvo de críticas e suas análises são constantemente contestadas por sociólogos, fortemente influenciadas pelas teorias marxistas.
Menos preocupados com o fenômeno em si, seu principal objetivo era entender a repercussão do escravismo no desenvolvimento geral da economia brasileira e, em alguns casos, no sistema subseqüente de relações sociais. Alguns estudos regionais pormenorizados de Emilia Viotti da Costa (1966) sobre São Paulo, Fernando Henrique Cardoso (1962) sobre o Rio Grande do Sul, Octavio Ianni (1962) sobre o Paraná e os trabalhos teóricos mais gerais de Paula Beiguelman (1967-68) sobre o escravismo e Florestan Fernandes (1969-72) sobre as relações sociais, todos abordam diversas maneiras às questões fundamentais, tais como: as conseqüências do escravismo na economia, no regime e na sociedade. Com diferenças entre si e de obras estrangeiras, sobre o tema, a interpretação coletiva da repercussão da escravidão sobre as relações senhor-escravo foi bem mais negativa do que a avaliação feita por Freyre.
A nova historiografia da escravidão brasileira deixa clara a importância de se compreender a organização da escravidão e seu funcionamento, tanto como forma de trabalho escravo, quanto como sistema social e cultural, para que seja possível entender suas conseqüências teóricas e sistêmicas mais amplas para a compreensão da história do Brasil e de seu lugar dentro do desenvolvimento da economia mundial.
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